Povo Pankararu [Pankararu People]
Nem começo, nem meio, nem fim
6- Sonhos de Semiárido
O iminente cataclisma climático legou a contemporaneidade uma associação de imagens trágicas de ruínas que situa a natureza em seu centro: terremotos, tempestades, estiagens, enchentes e mortes. Na contramão da iconografia do fim do mundo dos nossos tempos, a obra de Aislan Pankararu amplia o nosso repertório ao afirmar a gama de forças em coalização com múltiplos elementos que testemunham a história do planeta e os mistérios da sua resiliência, que nos antecede e certamente nos ultrapassará.
O fractal, que é uma forma geométrica amplamente encontrada na natureza, na qual semelhança e repetição se mesclam, constitui mutualmente uma representação que não tem início, meio e fim, e cuja busca pelas partes que compõe o todo se mostra sempre móvel conforme a escala se altera. É com uma alusão a essa forma que Aislan Pankararu nos convida a visualizar, desde seu encontro com a Bahia, o universo do sertão de sua origem, a Caatinga Fractal, que em nada nos remete às referências de privação, seca, fome e escassez que tanto informam o imaginário nacional.
O trânsito entre as obras do artista é um convite a muitos descentramentos, pois nos permite pensar sobre aquilo que ainda não sabemos ao certo o que é nem como nominar, mas que nos parece estranhamente familiar. Entre a terra, água, sangue, sementes, animais, frutos e flores é possível reconhecer formas não facilmente classificáveis, mas que nos remetem a uma dança ritmada por encantamento, ancestralidade, ritos de cura, sinapses e fios da memória, que também nos lembram festas, conflitos, embates, fronteiras e encontros.
O “Encontro da Terra Seca, Água Doce e Água Salgada”, da Baía Kirimurê com o Sertão, de Brown, Pitta e Aislan, é assim, novo e antigo, velho e menino. Diante de suas obras, a alusão ao fractal lança luz à continuidade, às conexões e, também às confluências que nos constituem, como nos diria Nego Bispo, atualizando a máxima antiga, segundo a qual “toda água do mundo é velha”. São nos encontros que o previsto se atualiza dando sentido ao imprevisto e ao impensável, ao novo que se anuncia no ancestral que nos acompanha e que vibra na terra.
Aqui, os mais de quinhentos anos de resistência indígena, da luta por demarcação, ganha também novos contornos. A Bahia, que é hoje o segundo estado com maior população indígena do país, é também palco da pungência dos artistas, da insubordinação originária, testemunha e artífice de um levantar aldeia dos povos indígenas do Nordeste.
Forças contra hegemônicas