Povo Pankararu [Pankararu People]
Sonhos de Semiárido - Brás Moreau Antunes
Erosão de terra, galhar de imburana, couro de calango, íris de cobra, brotar de um rio efêmero. Mesmo na fina tez de um espinho, na agulha de um mandacaru, no fio da pena da maritaca, no sedimento de cascalho, o fractal pode ser visto.
O olhar aproximado pode perceber que as formas naturais têm uma característica fundamental: a de correspondência entre o micro e o macro. Nas manifestações de vida, nos fenômenos geológicos, nos corpos celestiais, se mantêm uma relação própria de escala e arranjo - não importa o prisma, o grau de proximidade, mesmo que a sua aparência mude ligeiramente, enquanto não se atingem os limites da matéria. Por exemplo, se aproximar na visão das linhas da palma da mão revela que estas são compostas por centenas de outras linhas, que por sua vez são compostas por centenas de outras. Num extremo, já deixamos de ter como objeto o tecido de uma mão e sim as células vivas, suas organetas, uma membrana, uma fita de DNA, e até nestes podemos observar padrões que se repetem fragmentados.
E mapeando esses padrões, as dimensões podem ser fraturadas para quantizar a natureza, a bruteza (roughness) das coisas. A superfície do mar com ondas, por exemplo, ao lado da Casa Rosa, pode ser calculada numa dimensão de aproximadamente 2,3. Já no Porto da Barra, deve estar pelos 2,1.
Só que essa numerização é terrivelmente cerceadora. O mundo e seus fenômenos não pertencem a uma grade. A terra não cabe nos seus mapas e fronteiras. A vida e sua matéria está em constante mutação. O planeta pode muito bem estar expandindo, ao invés de nos puxando para baixo.
Pertencente a essa vanguarda de expansão, de alcance origi-nário, Aistan Pankararu produziu os dez quadros aqui expostos já residente de Salvador, após um longo período morando em diferentes regiões do Brasil. Esta mostra se formou enquanto desejo de celebração de um trabalho sublime, no indefinível entre figurativo e abstrato, entre planos, linhas e pontos. Um conjunto de obras cheias de vida, fruto de um processo desencadeado por reencontros e encantamentos, de uma paisagem afetiva e também de compartilhar essa possibilidade de sonho. Porque a diferença entre existir e ser, esse ímpeto anti-inércia, aparece nesta sinfonia cósmica como um banho de cores vibrantes, irrompendo com a liberdade de uma chuva no sertão.
A experimentação através de mais do que um olhar aprisionante.
A diversidade de formas e signos com os quais o artista compõe sua obra revela uma intimidade - não só com os padrões da natureza, com o movimento das formas vivas, com o uso dos artifícios artísticos e de composição, mas com o seu próprio caminho. Mergulhar em uma obra de Aislan é transitar entre o paisagístico, o microscópico, o pessoal e o espiritual.
Talvez a fracturação da natureza não seja o melhor caminho para entender a existência. Talvez o inalcançável precise ser abraçado.
Talvez o branco precise aprender a perder espaço para as cores.
Opostos aos que se detêm na obsessão de destruir o mistério, ainda há os que se debruçam sobre sonhá-lo.